Nos humanos, de forma geral adoramos certezas, elas nos trazem segurança e consomem pouca energia, incertezas fazem exatamente o oposto. Nessa busca por segurança, nascem muitos lideres especializados em oferecer uma imperturbável e míope visão compartilhada de como o mundo é e de como deveria ser, se estudarmos a história veremos que mesmo narrativas absurdas, mas bem estruturadas, são aceitas por aqueles incomodados com as incertezas da vida. Como bem ilustrado por alguns estudiosos das incertezas da vida (leia: Leonard Mlodinow, Nassim Nicholas Taleb e Erik Durschmied), e como dito por Zygmunt Bauman : - "A única coisa que podemos ter certeza é a incerteza".
As empresas não são mundos a parte, então não deveríamos estranhar a valorização de opiniões fortes somente montadas em boas retóricas, particularmente em resposta a ambientes extremamente voláteis e instáveis.
Mas modos de lidar com a incerteza já foram inventados, pois, quanto mais sabemos do mundo, mais incerto ele se torna. Curiosamente áreas que aos leigos são menos incertas como física, engenharia e medicina são áreas intrinsecamente dependentes da aceitação da incerteza e de ferramentas para lidar com elas, e outras com grande grau de incerteza, como psicologia, marketing e finanças são relativamente avessas a essas ferramentas.
Basicamente essas ferramentas vêm da área da estatística, e elas se bem usadas servem para diminuir ou pelo menos informar o grau de incerteza de uma dada situação.
Deixe-me trazer uma história real para exemplificar:
Há muito tempo, quando gerenciava uma área de treinamento de clientes, fui exposto durante uma reunião de vendas por um importante gerente de contas que trouxe uma reclamação de um (1) cliente que havia participado de um(1) curso que já havíamos ministrado muitas dezenas de vezes. Aquilo me incomodou, mas preferi me calar e verificar, pois, já era um curso consolidado dado por instrutores experientes que não tinham relatos problemas recentes. Semanas depois trouxe estatísticas, baseada em dados de quase uma centena de participantes consistentes com o que eu dizia para ilustrar que a reclamação era uma excepcionalidade e que isso ocorreria naturalmente pela impossibilidade física e financeira de oferecer algo com 100% de aceitação. O gerente de conta disse que isso não importava e que eu deveria dar mais atenção a voz do cliente. Respondi dar atenção às vozes dos clientes e reiterei que ele falava de uma pessoa em quase uma centena. O clima não ficou bom, mas havia outros assuntos para serem discutidos e o tópico foi esquecido. Se quiser saber dos detalhes a história completa esta após o final deste post
Uma das áreas que se beneficiaria mais e tem muitos dados disponíveis para usar é o RH, desde a área de desenvolvimento até a de salários, mas são penalizadas por não considerarem essa categoria de análise. No melhor caso o que se vê são não mais do que médias, sendo particularmente enganosas, lembre-se da anedota da pessoa com os pés no gelo e a cabeça no forno acesso, tinha a média corporal de 36 °C apesar de já morta.
Acredito que a dificuldade em usar essas ferramentas, vem de certa aversão pela matemática envolvida, na aceitação da incerteza e da "mágica" que opiniões fortes tem.
Mas quais são às duas grandes vantagens?
A primeira é expor (ou aceitar) que existem grandes incertezas em quase todos os subsistemas comuns às áreas de RH, essa aceitação permite que essas incertezas possam ser diminuídas ou quantificadas
A segunda é tirar a tratativa do mundo das falsas verdades bem estruturadas (sofismo) para tratativas concretas, mensuráveis e que, portanto podem ser estudadas e melhoradas
Coisas simples como validar as avaliações dos colaboradores, a importância dos benefícios ou mesmo o clima da organização são altamente impactados quando aceitamos a existência de variações e margens de erros.
E você, qual é sua história?
Detalhes do história contada acima:
Após a 1.ª reunião e como tínhamos um sistema que coletava todas as avaliações de satisfação dos cursos, tratei de pegar essas avaliações dos últimos 6 meses, e verifiquei haver de fato uma avaliação abaixo do normal de uma pessoa que poderia ser esse tal cliente. Na próxima reunião levei minha análise de quase uma centena de participantes desse curso, mostrando que pelos dados poderíamos dizer 90% dos participantes aprovava o curso com um erro menor de 5%, e que a qualidade 100% tem um custo que ninguém estaria disposto a pagar. O gerente de conta ficou incomodado e disse que os participantes dos meus dados haviam mentido na avaliação para não chatearem os instrutores e que eu estava errado, contestei que isso não fazia sentido, mas disse que retornaria com mais informações. Ingenuamente fiz uma pesquisa anonima com cerca de 300 participantes de nossos cursos sobre se diziam ou não a verdade na avaliação, curiosamente o que surgiu é que cerca de 20% de fato mentiam na avaliação, porém dando notas mais baixas para que seus chefes ao verem que o curso fora excelente poderiam ser mais cobrados sobre o aprendizado. Menos de 5% disseram se importavam se o instrutor ficaria chateado com uma nota menor. E lá fui eu novamente mostrar os dados afirmando que pela pesquisa com n clientes, que não só o que havia apresentado estava correto como a maior probabilidade é que o resultado das avaliações tivesse um viés para menos por conta desses 15% (20-5%) que empurravam as avaliações para baixo.
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