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Foto do escritorRafael P Fernandez

QUANDO FAZER DIREITO É ERRADO

Por que a empresa atrapalha meu trabalho?

Conheci nos anos 2010, Ingrid, uma vendedora reconhecida pelo seu recorrente sucesso em vendas numa empresa alemã de tecnologia, ela se sentia no dilema de utilizar um famoso CRM recentemente implantado para trabalhar com uma nova metodologia de relacionamento de longo prazo com clientes ou de atender o pedido da direção para aumentar as vendas do trimestre final para garantir o bônus de todo mundo.





Aqui entre nós, quantas vezes você fez algo no seu trabalho com uma clara sensação de perda de tempo, ou de desconexão com objetivos? E aquela informação detalhada que você ficou imaginando se alguém lia? Já teve vontade de colocar uma piada no meio de algum relatório, para ver se algo aconteceria? E aquele conteúdo do treinamento que seu chefe pediu para não se preocupar?


“Que quieres tu de mi?”

Dizia uma música (https://youtu.be/B8NXvb6twTw) que já traduzida fica assim:

O que queres de mim

Com seus fatos Você me confunde E você me enreda Dia a dia”

A complexidade organizacional, consequência da busca incessante de mais faturamento, mais velocidade e menos custos, alteram recorrentemente estruturas organizacionais, lideranças, objetivos, políticas e sistemas de suporte.

Essas alterações deveriam ser completamente harmoniosas, mas ocorrem normalmente segmentadas e baseadas em especialidades e/ou sintomas. Um novo sistema para melhorar os controles, uma nova organização para reduzir custos, um novo treinamento para aumentar uma competência, novos líderes para mais produtividade e por aí vai.

A procura de melhorias é importante para o sucesso de qualquer empresa, porém quando isso ocorre sem uma perspectiva geral dos diversos impactos, terminamos por criar forças que atuam de forma contra produtiva e diminuem o resultado total mesmo que melhorem aquilo a que se propuseram.


Onde a corda se rompe!

Vamos direto a um dos casos mais comuns; a implantação de um sistema qualquer, por exemplo, um CRM (Customer Relationship Management).

Sucessivas perdas de negócios e um fornecedor de softwares muito eloquente levam a direção da empresa a adotar a compra de um CRM.

— A área de vendas é chamada para opinar - Que ótimo poderemos ter mais controles dos clientes!

— A área de TI, é chamada para auxiliar na implantação – Tem certeza de que quer comprar isso? Poderíamos produzir o nosso por um custo bem menor! - A área de compras é chamada para cotar — Porque esse sistema? Tem coisa mais barata no mercado!

— A área de RH é chamada para treinar — Sim, lógico que podemos coordenar o treinamento do pessoal, qual o nome do software mesmo que vão usar?

— Dois meses depois; os vendedores são informados da novidade, aproveitando a reunião a gerência informa ao pessoal que as metas estão abaixo do esperado... e pedem para se dedicarem mais nas vendas para fechar o trimestre melhor que o anterior, caso queiram garantir o bônus.

Anedotas a parte, a Ingrid que mencionei no começo passou exatamente por isso, qual foi a última instrução que ela e o resto do time de vendas ouviu? … “Venda mais para ganhar seu bônus”.

O que a Ingrid e o resto do time fizeram?

Dois anos depois, a empresa continua pagando pelas novas atualizações do CRM, o pessoal de TI, corre para fazer integrações com as outras ferramentas da empresa o uso do sistema é pífio, Ingrid ganhou um belo bônus e o RH informou que estão todos preparados. Outro fornecedor de CRM informou a direção que eles conseguirão resolver a questão

E vida que segue...

O interessante é que todo mundo fez o seu melhor, mas nada aconteceu. O que teria ocorrido se Ingrid não atingisse as metas dela?


A vantagem das tratativas super simplificadas

Existe uma vantagem muito importante em não se tratar um problema de forma integrada, é que olhando ele de um lado só; ele parece muito mais simples. É como olhar uma pirâmide por um lado só e afirmar ser um triangulo.

No caso acima, a questão de perder clientes, virou a questão de ter um CRM, ter o CRM virou implementar um sistema, implementar um sistema, virou treinar o pessoal, treinar o pessoal virou participar de um treinamento e participar do treinamento virou a única coisa tangível para os usuários.

No final usar o sistema virou irrelevante, pois não trazia benefícios perceptíveis para a área principal (vendas)

O usuário do tal sistema, também percebeu o tempo perdido no treinamento, na digitação de dados, no entendimento da interface, no ruido pelo possível impacto da ferramenta e na instalação do sistema, e ficou incomodado por ter ocorrido numa época que cobravam mais resultados.

Do ponto de vista do colaborador, a empresa dificultou o atingimento das metas que ela mesma estipulou. Ele está errado?


Ações em sistemas complexos

O caso acima, é só ilustrativo, mas exemplifica o que costuma ocorrer quando tratamos sistemas complexos (como o corpo humano) como sistemas simples (como uma torneira). Por isso os remédios costumam ter uma longa lista de efeitos colaterais, ao alterar uma das partes, afetamos outras que afetam o conjunto.

Quando tomamos um analgésico o que fazemos é desligar um indicador de dor, enquanto o corpo está tratando o problema. Nas empresas muitas vezes o problema está sendo resolvido internamente também, enquanto se está buscando um remédio que, no fundo é só um analgésico.

Para se conseguir, de fato, oferecer um tratamento é necessário conseguir entender a empresa, seu funcionamento e a jeito mais solido para fazer isso é observar os processos relacionados aos sintomas que queremos tratar.


Processos para quê?

A gestão de processos, não por acaso, teve um grande peso para transformar o Japão destruído física e moralmente após a II guerra numa potência tecnológica, produtiva e símbolo de qualidade. Processos são só formas específicas de fazer algo, uma receita de bolo, por exemplo. Processos formalizados numa empresa servem para:

Melhorar - Precisamos reduzir o tempo de entrega, onde poderíamos atuar?

Onboarding – Semana que vem começam duas pessoas novas, o que devem saber?

Planejar – Teremos uma entrega 10 vezes maior, precisaremos de mais quantos paletes?

Controlar – O cliente quer saber se poderíamos postergar a entrega?

Auditar – Por que atrasamos 10 entregas este mês?


Se é tão bom, por que não os temos?

Porque custa, é dá para viver sem eles. Mesmo que se viva pior.


Assim como podemos viver sem médicos, nutricionistas, psicólogo, etc. Com as pressões recorrentes nas empresas para reduzir custo e pessoas, vão se cortando tudo que não tem uso imediato ou de curto prazo, incluindo atividades de mapeamento de processos e outras coisas similares.


Sumarizando

Quando se tenta mudar ou corrigir algo na empresa sem considerar o todo, e comum que um dos efeitos colaterais seja a criação de novas dificuldades ou desperdícios; percebidos como novos obstáculos pelos colaboradores

Com a segmentação e tratativas muito especializadas buscamos super simplificar o problema e facilitar ações eficientes em detrimento de soluções eficazes.

Empresas são sistemas complexos, e o mapeamento de seus processos permite entendê-la melhor.

Ao ter uma visão dos processos da empresa, ações de mudança e melhoria tem uma probabilidade muito maior de sucesso.

Mapeamento de processos apesar de já terem provado seu valor, são muitas vezes vistos como custo que são dispensáveis.

Ao não entender o funcionamento das empresas, só resta o uso de soluções paliativas ou genéricas.


Conclusão

Vale a penar considerar que a empresa é um sistema complexo e que as soluções mais imediatas e eficientes podem ter efeitos colaterais particularmente no desempenho dos colaboradores.



"If you can't describe what you are doing as a process, you don't know what you're doing." ​–​ W. Edwards Deming

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