Já havia se passado muito tempo desde a queda do avião e as buscas estavam encerradas. Ele não sabia disso, nós expectadores, sim. No entanto, não contava mais com isso. Sairia daquela ilha pelo que poderia manejar do que encontrasse, do que chegasse pelas águas, destroços do avião que poderia usar na construção de barco para tirá-lo de lá ou pacotes que poderiam conter algo útil para este fim. Nenhuma garantia. A chegada de Wilson, uma bola de voleibol, à ilha ofereceu à Chuck Noland, protagonista do filme Náufrago, a possibilidade de amenizar um pouco a condição tenebrosa e sem perspectiva da mudança de sua situação. Uma “presença” para sua jornada solitária. Era o que tinha.
Durante este momento de vida traumático, entendendo trauma segundo David Trickey, psiquiatra e representante do Conselho de Trauma do Reino Unido como uma ruptura na "construção de significado", o protagonista se relacionou com o fato oscilando entre euforia, raiva, impotência, depressão, resignação e com atitudes que o moveram para reverter aquela situação. Ele dependia de si, do que sabia e dos recursos existentes. Precisava se manter vivo enquanto encontrava meios para sair de lá.
Guardado as devidas proporções de tudo que cabe nesta situação pandêmica planetária, aspectos sociais, econômicos, psicológicos, etc, de cada um e assim respeitando a singularidade de cada história, não seria difícil se sentir como Noland, ilhado, oscilando na forma de se relacionar com esta situação sem tempo e nem como irá acabar, contando com os recursos (internos e externos) que estão ao seu alcance.
Sim, concordo, Chuck passava por uma situação particular que afetava, principalmente a ele e caso conseguisse sair daquela ilha, encontraria um mundo quase como havia deixado, também resguardando o desdobramento da história dos que seguiram suas vidas a partir de sua ausência. Não há comparação para o que estamos vivendo hoje, um trauma coletivo não observado há décadas. Segunda a BBC News Brasil “O que torna o trauma da covid-19 verdadeiramente "coletivo", no entanto, é seu impacto em toda a população — incluindo aqueles que nunca irão pegar o vírus ou até mesmo conhecer pessoas que tenham sido infectadas” Efeitos que serão sentidos e percebidos nas sociedades por anos.
As histórias estão dentro de outras histórias que por sua vez estão ligadas por elos sensíveis, invisíveis ou expressivos a outras histórias e por aí vão. Nesse momento que a história que envolve a todos, não muda, quais recursos estão disponíveis para cuidar das histórias que se tem mais protagonismo na escrita, as que competem ao campo pessoal e núcleo que se atua com mais efetividade?
Chamarei, neste texto, os recursos de “Wilson”, pois na vida é necessário se permitir um pouco de humor, não é mesmo?
Então, de qual ou quais “Wilson(s)” você dispõe para te ajudar a passar pela pandemia? Isso significa dar atenção ao que você já tem agora, nas histórias que estão te representando.
Concluindo com outro trecho publicado na BBC News “se nada preencher a lacuna — nada externo para definir e avaliar o seu valor, nenhuma outra razão para continuar, nada para explicar o "porquê, como e para que" de cada dia — por algum tempo, a pessoa pode ficar à deriva. É preciso atualizar e reformular suas crenças e senso de identidade, uma nova rodada de "construção de significado" para superar o impacto do trauma.
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